📖 HORA DO CONTO: A PARÁBOLA DA FAGULHA IGNORADA

🏛️ Na Grande Biblioteca de Althea, onde o conhecimento de milênios repousava em prateleiras de carvalho perfumado, reinava Mestre Valerius. Ele não era apenas o Bibliotecário-Chefe; era o guardião da Ordem. Seu orgulho não estava nos livros, mas na perfeição visível: no brilho do assoalho, na simetria das estantes, no silêncio reverente que ele impunha com um olhar. A Biblioteca era um sistema perfeito, e ele era seu deus relutante.

✍️ Kael, um jovem escriba, era o oposto. Ele amava o conteúdo, não o continente. Sua função era catalogar os pergaminhos esquecidos no porão húmido e escuro. Foi lá, atrás de uma pilha de crônicas descartadas, que ele viu pela primeira vez: uma fagulha. Um único fio de cobre, desgastado pelo tempo, roçava intermitentemente numa viga de metal, produzindo um estalo minúsculo e uma faísca efêmera. Era quase nada. Uma insignificância.

🧐 Com a urgência dos ingênuos, Kael correu até Valerius. "Mestre", disse ele, "há um fio solto no porão. Ele produz faíscas. Pode ser perigoso". Valerius nem sequer desviou o olhar de um mapa celeste que polia. "Rapaz", respondeu com um tédio monumental, "a perfeição desta Biblioteca está no que se vê. Preocupe-se com a poeira dos livros, não com as teias de aranha do porão. Volte ao seu trabalho". A recusa não foi uma análise de risco; foi um ato de desprezo. A fagulha não era um problema técnico; era um insulto à sua gestão imaculada.

🤫 Kael voltou, inquieto. Relatou o fato a outros escribas, que deram de ombros. "Se o Mestre disse que não é nada, não é nada." "Sempre esteve assim." O problema minúsculo, após ser sancionado pela autoridade e normalizado pela passividade do grupo, tornou-se invisível. A fagulha continuou seu trabalho solitário. Ela não tinha pressa. O tempo era seu aliado. Ela encontrou uma teia de aranha seca, depois um fiapo de pergaminho, depois a poeira de madeira de um século. Ela não ardia; ela apenas... incubava.

👃 Meses depois, um cheiro estranho começou a subir do porão. Um odor acre, quase imperceptível, de queimado lento. Kael, com o coração na boca, foi novamente a Valerius. "Mestre, há um cheiro de fumaça. A fagulha..." Valerius, irritado pela insistência, finalmente desceu ao porão. Ele farejou o ar. "É o cheiro da velhice, rapaz. A umidade e o tempo. Sua imaginação é mais perigosa que qualquer faísca." Para Valerius, admitir o cheiro seria admitir a fagulha, e admitir a fagulha seria admitir seu erro inicial. Seu orgulho era um combustível mais potente que qualquer pergaminho.

🔥 A negação da autoridade foi a licença final. O pequeno braseiro, que se alimentava lentamente no escuro, finalmente encontrou uma corrente de ar, subiu por uma viga ressequida e alcançou o coração da Biblioteca. Não houve aviso. Houve uma erupção. As chamas, nutridas por anos de negligência e décadas de arrogância, explodiram com uma fúria faminta. O conhecimento de milênios tornou-se cinza em questão de horas.

잿더미 No dia seguinte, Valerius caminhava pelas ruínas fumegantes, lamentando a "súbita e inexplicável tragédia". Kael estava ao seu lado, não com tristeza, mas com uma clareza fria e cortante. Ele finalmente entendeu. O incêndio não começou quando as chamas explodiram. Ele começou no exato momento em que uma preocupação legítima foi tratada com desprezo. O agente da destruição não foi a fagulha. Foi a arrogância que a deixou brilhar. Nenhum incêndio começa grande. Ele começa pequeno, silencioso, e quase sempre com a permissão de alguém que se recusou a olhar para baixo.