Fábula do Espelho que Não Mentia
Num reino distante, onde os títulos pesavam mais que as ações e os papéis selados eram temidos mais que as tempestades, vivia a Aldeia dos Guardiões do Papiro — protetores de formulários, não de tesouros.
Certa vez, um Viajante Silencioso trouxe um Espelho de Tinta Clara — um documento sem nomes, apenas perguntas tecidas com cuidado. Nele, revelou-se um padrão: relatórios eram rotineiramente chamados de “ameaça” por quem preferia a sombra.
A Guardiã Principal, de manto bordado com selos, leu o espelho e exclamou: “Isto é uma ameaça!” O Viajante perguntou: “Onde está escrito?” — e a Guardiã percebeu que havia lido o seu medo, não o papel.
O Guardião das Assinaturas Fantasma tentou queimar o espelho. A tinta não pegou. Ele chamou-o de provocação; o Viajante respondeu: “Então não é o espelho que fala de você. É você que se entrega ao espelho.”
Alguns aldeões leram e viram apenas um texto. Outros, com algo a esconder, viram sua imagem distorcida pela culpa. O espelho permaneceu na praça como atestado silencioso: quem acelera o coração ao encará-lo, sabe que a consciência desperta falou primeiro.
Antes de partir, o Viajante deixou caixas lacradas sob o piso da praça e pergaminhos nas raízes — peças de um jogo que só começaria quando os guardiões mentissem outra vez. O terror não veio do que foi dito, mas do que ainda não precisou ser dito.
Moral: Quem chama de ameaça um papel sem armas, revela que sua autoridade é feita de medo — e o medo, por mais alto que grite, sempre sussurra a própria confissão.
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